"Onde a gente quiser"

Publicada em 28/10/2023

Entrevista com a professora Cristhiane Guimarães Maciel Reis

Integrante da equipe do renomado Projeto LBNF/Dune, que venceu recentemente o 8º Prêmio Nacional de Inovação, a professora Cristhiane Guimarães Maciel Reis, do Departamento de Engenharia de Alimentos (Campus Sete Lagoas) e do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Química (Campus Alto Paraopeba), fala nesta entrevista sobre sua participação, os objetivos da iniciativa e o papel da mulher na Ciência brasileira.

Como se deu sua inserção no LBNF/Dune?
Profa. Cristhiane: O professor Pascoal José Giglio Pagliuso (UNICAMP), coordenador do projeto no Brasil, ao buscar pesquisadores que trabalhavam com material de características semelhantes à média industrial para purificação do argônio, encontrou minha tese de doutorado e artigos nos quais trabalhei com catalisadores de óxido de cobre suportados em céria ou alumina para purificação do hidrogênio, a ser usado em células a combustível. Nesse contexto, os materiais desenvolvidos na minha tese tinham potencial para aplicação na purificação do argônio líquido. Assim, eu e meu orientador de doutorado, professor José Mansur Assaf (UFSCar), fomos convidados a trabalhar no projeto. Como é um trabalho muito relevante para a Ciência, prontamente aceitamos o desafio. Os materiais que desenvolvemos junto com os outros pesquisadores que fazem parte do grupo apresentaram ótimos resultados; dessa forma, a Akaer indicou o professor Pascoal como representante do grupo para o Prêmio Nacional de Inovação, na categoria Pesquisador Inovador de Média Empresa. Com muita alegria recebemos o resultado da premiação, disputada por mais de três mil candidatos. Foi um reconhecimento ao trabalho e desempenho do nosso grupo.

Qual é sua participação no projeto, em termos científicos?
Profa. Cristhiane:
A minha participação no projeto está concentrada na purificação do argônio líquido através da síntese de materiais que sejam capazes de adsorver o oxigênio presente no argônio, purificando-o a níveis menores de 100 ppt. Essa etapa é importante, uma vez que o oxigênio interfere na detecção dos neutrinos. As médias que estamos sintetizando e testando, além de conseguir purificar o argônio nos níveis de oxigênio pretendidos, precisa responder bem à regeneração para ser utilizada novamente na purificação. Várias análises físico-químicas do material, testes em pequena escala e otimização do processo de síntese são ajustados constantemente. Contamos com uma equipe qualificada e comprometida de pesquisadoras e pesquisadores, que se reúnem pelo menos uma vez por semana para discussão dos resultados obtidos e decisões sobre como seguir o processo.

Em linhas gerais, o que se pretende com esse projeto?
Profa. Cristhiane:
O projeto tem por objetivo geral a detecção de neutrinos, o que permitirá a investigação de fenômenos subatômicos na formação do universo. Alcançando os objetivos previstos, os resultados mudarão a forma como entendemos vários fenômenos da Ciência, permitindo que novas descobertas alavanquem aplicações que impactam nosso dia a dia, desde aplicações de novas tecnologias da Medicina até a Engenharia. O desenvolvimento do projeto trará alcance em inovação, em pesquisa e desenvolvimento e geração de empregos. Serão resultados que trarão frutos por décadas e que colocará o Brasil na vitrine da ciência mundial.

Qual a importância do argônio para a Ciência e para a indústria?
Profa. Cristhiane:
O argônio é o gás nobre mais abundante na Terra, utilizado na pesquisa e na indústria com uma gama extensa de aplicação. Na indústria, por possuir uma característica de ação anticorrosiva, é utilizado para conservação de materiais oxidáveis, em soldas especiais. Pode ser empregado também para conservar peças em museus, como gás em airbags de automóveis e em laser para cirurgia nos olhos. Na Ciência, diversos equipamentos o usam como gás de arraste em cromatógrafos. Porém, normalmente se trabalha com o argônio na fase gasosa. Para esse projeto, trabalharemos com o argônio líquido em alta pressão e baixa temperatura, essencial para detecção dos neutrinos.

No início deste mês, acompanhada do reitor Marcelo Andrade e do pró-reitor Baldoni, você participou de uma audiência com a ministra Luciana Santos, em busca de apoio daquele Ministério para suas pesquisas desenvolvidas no CSL. Comente sobre esse encontro e a importância desse momento para a pesquisa científica na UFSJ.
Profa. Cristhiane:
Eu agradeço o empenho dos dois em apoiar o projeto e a proposta de levar adiante essa pesquisa. A Fase 1 foi finalizada com resultados excelentes e promissores. Contudo, para que a Fase 2 aconteça, precisamos do apoio do Governo Federal e dos órgãos de fomento. Não podemos perder a oportunidade de o Brasil ser o protagonista de um mega experimento como esse: contar com o apoio de quem acredita na Ciência é essencial. Assim, em busca de apoio, fomos até Brasília, apresentar à ministra os resultados da Fase 1 e a proposta da Fase 2. Ela nos recebeu muito bem e se interessou pelo projeto. Estamos otimistas com o que presenciamos em Brasília. A participação da UFSJ e do Brasil em um experimento tão grande e de características únicas, apontado como um dos mais importantes da atualidade é algo inédito, e levará o nome da Ciência brasileira para o circuito mundial da inovação. Eu me sinto muito feliz por conseguir contribuir para que tudo isso aconteça.

Você acredita que seu exemplo, até destacado pela ministra na reunião, pode influenciar outras mulheres pesquisadoras?
Profa. Cristhiane:
Eu acredito, desde muito jovem, que podemos construir um mundo melhor e livre de preconceitos. Um mundo onde a Ciência, a Cultura e a Arte predominem sobre paradigmas que precisam ser desmistificados. Como eu não tenho vocação para essas, optei pela Ciência, uma antiga e eterna paixão. Como mulher, esposa, mãe de dois filhos, de 5 e 7 anos, não posso dizer que vivemos num mundo de igualdade de gêneros. Eu sempre achei injusta a balança trabalho X família, especialmente para mulheres. Optei por estar mais próxima de meus filhos na sua primeira infância e agora consegui retomar a pesquisa com mais força, e essa minha decisão, pautada na minha realidade, e no que era possível fazer, foi muito boa para meu papel de mãe. Eu tive a oportunidade de ter uma família que me permitiu ser o que que quisesse, apesar de alguns da própria família insistir que não deveria fazer graduação, quiçá a pós-graduação… Tenho um marido que me apoia e acredita em meus sonhos e objetivos. Quando optei pela carreira acadêmica, nem nos meus maiores sonhos imaginei que pudesse participar de um projeto como esse. No nosso grupo, contamos ainda com as professoras Cris Adriano (UNICAMP) e Elisabete Moreira Assaf (IQSC-USP), pesquisadoras, professoras, mulheres, mães que também acreditam na Ciência. Eu diria não só para mulheres, mas para todas e todos: sejam o que quiserem ser, nunca se esquecendo de seguir o caminho com ética. O nosso lugar é onde a gente quiser.