Nova espécie de bromélia é descoberta por pesquisador da UFSJ com apoio de cidadão cientista

Publicada em 28/10/2023

Mais uma interessante descoberta acaba de ser apresentada pelo projeto de pesquisa do professor Paulo Minatel Gonella, do Departamento de Ciências Exatas e Biológicas do Campus Sete Lagoas da UFSJ (DECEB/CSL).

A nova espécie é bastante peculiar, por apresentar folhas cobertas por pelos, característica que intrigou os pesquisadores e rendeu o apelido de “bromélia-peluda”. Um morador da região Leste de Minas se envolveu nessa descoberta, sendo homenageado no nome da espécie. Como em outras situações desse projeto, os pesquisadores alertam para o alto risco de extinção, pois a região onde foi encontrada não é protegida.

A pesquisa tem participação de Dayvid Couto, do Instituto Nacional da Mata Atlântica e um dos autores do artigo que descreve a nova espécie, publicado na revista científica Phytotaxa. O trabalho foi escrito também com a colaboração de pesquisadores do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, da UFSJ, da UFRJ e da Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Quando se fala em bromélias, a imagem que vem à mente da maioria das pessoas é de plantas com folhas brilhantes que acumulam água ou de plantas espinhentas como o abacaxi. “É difícil imaginar uma bromélia com folhas aveludadas e cheia de pelos, e isso é só um dos motivos que tornam essa descoberta tão empolgante”, destaca Dayvid.

A descoberta
Aconteceu de forma inesperada, no município de Alvarenga (MG). Júlio César Ribeiro [à direita na foto], morador da região, explorava um local com muitas cachoeiras e se deparou, em um paredão rochoso, com pequenas plantas de folhas verdes pálidas, entre as quais surgia uma pequena flor de cor rosa. “Além de ser uma planta que eu nunca tinha visto por ali, me chamou a atenção as folhas peludas como as do capim e as flores saindo no meio das folhas”, lembra Júlio, que a fotografou e mandou o registro para os pesquisadores. “Era tão diferente que quando recebemos a foto, achamos que pudesse ser tudo, menos uma bromélia!”, conta Dayvid. O estranhamento era justamente as folhas recobertas por pelos brancos (tricomas), uma característica incomum em bromélias, o que levou os cientistas a acreditarem estar lidando, na verdade, com uma outra família de plantas – os pelos poderiam ter a função de absorver água ou de protegê-la contra a perda de água para o ambiente.

O batismo
A nova espécie foi batizada Krenakanthus ribeiranus, por ser conhecida apenas numa montanha no vale do Rio Doce. “Antes dessa descoberta, somente uma outra espécie, não peluda, era conhecida do gênero Krenakanthus, que significa flor dos Krenak, uma homenagem ao povo originário daquela região”, afirma Paulo Gonella, professor da UFSJ. O epíteto ribeiranus homenageia seu descobridor, o jovem Júlio César, seu olhar apurado de “cidadão cientista”: ele já contribuiu na descoberta de outras espécies da região do Rio Doce.

A ciência cidadã é uma parceria entre cientistas e cidadãos no desenvolvimento de pesquisas científicas; os cidadãos podem participar em várias fases da investigação, como na coleta de dados, interpretação e análise, e na elaboração conjunta de projetos para responder questões científicas. “No caso dessa pesquisa, Júlio contribuiu desde o levantamento da questão “que espécie é essa que eu não conheço?” até a coleta de dados, fundamentais não só para confirmar que se tratava de uma espécie nova, mas também para estimar seu risco de extinção”, completa Gonella.

A conservação
Os pesquisadores advertem sobre os riscos que corre a nova bromélia, já nascida extremamente ameaçada. “Com base na distribuição muito restrita e no avançado grau de degradação da região onde foi encontrada, nós avaliamos essa espécie como Criticamente em Perigo de Extinção, o grau mais alto de risco”, avisa Eduardo Fernandez, coordenador de projetos do Núcleo Avaliação do Estado de Conservação, do Centro Nacional de Conservação da Flora (CNCFlora), órgão do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, responsável pela elaboração da Lista Vermelha Nacional. No estudo, os pesquisadores destacam ameaças à espécie e seu habitat, como o desmatamento para abertura de pastagens, aumento na frequência e na intensidade de incêndios descontrolados e na expansão das lavouras de café. “Algumas medidas urgentes precisam ser tomadas para a proteção dessa espécie, como estudos para criação de unidades e políticas de preservação que vêm sendo elaboradas para a região. Essas medidas, combinadas à estratégias de conservação ex situ, podem nos ajudar a assegurar um futuro próspero para a bromélia-peluda”, completa Eduardo.

O Leste e sua riqueza
A descoberta se soma a diversos outros recentes achados formidáveis ocorridos no Leste do Estado, que consolidam a região como uma das últimas fronteiras do conhecimento botânico no Brasil. Só na última década, mais de 30 novas espécies de plantas foram descobertas nas serras da região mineira. “Pela sua alta riqueza, única e extremamente ameaçada, as serras do Leste de Minas vem aos poucos atraindo a atenção do poder público, mas ainda de maneira incipiente. A região detém um dos mais proeminentes déficits de medidas de conservação na região do Médio Rio Doce”, comenta Paulo Gonella. Outro fator a ser considerado, segundo o pesquisador, é o que essa biodiversidade única propicia: essas serras funcionam como caixas d’água, protegendo nascentes que abastecem os municípios daquela área, tendo sido fundamentais para assegurar água de qualidade para muitas cidades, quando o Rio Doce foi afetado pelo desastre de Mariana.

Recentemente, a região foi incorporada ao Plano de Ação Territorial Capixaba-Gerais, uma iniciativa que une poder público, sociedade civil organizada e pesquisadores no delineamento e execução de estratégias que visam incrementar o estado de conservação e conhecimento de espécies ameaçadas naquele limite territorial.